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Eficiência Energética

A necessidade de um plano energético integrado e a emergência de uma crise decorrente da ausência desse planejamento não foram novidade para os pesquisadores brasileiros, especialmente depois da década de 1980, quando, extinta a Comissão Nacional de Energia, os setores do governo ligados à energia deixaram de contemplar a construção de um matriz energética eficiente e diversificada.

As pesquisas apresentadas durante o II Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, realizado em dezembro de 1994, em de Campinas, SP, já avaliavam como crítico o desempenho brasileiro no setor e ofereciam propostas de reestruturação do sistema, incluindo o desenvolvimento da produção independente de energia em regiões isoladas, como o Norte do País, ou com poucos recursos hídricos, caso do Nordeste, por meio do aproveitamento da luz solar e dos ventos.

Para os especialistas, a descentralização da matriz energética, então fundamentada no uso de petróleo e hidroeletricidade, serviria como um instrumento para planejar políticas e estratégias visando adequar os balanços energéticos aos interesses da sociedade que já sofria com a má distribuição de energia e o desempenho sofrível do setor elétrico*. A diversificação da matriz viria anos mais tarde, com características distintas daquelas pensadas pelo corpo de pesquisadores, com a produção nuclear em Angra dos Reis e a importação de gás da Bolívia.

Embora o petróleo ainda seja um insumo importante na produção de combustíveis líqüidos, Bautista Vidal, um dos responsáveis pela criação do Proálcool, afirma que os países que têm características geoclimáticas como o Brasil possuem muitas alternativas atraentes como a biomassa, o álcool etílico, os óleos e o carvão vegetais. Segundo Bautista, apesar do retrocesso a que foram submetidas as suas estruturas tecnológicas, o Brasil ainda é quem detém a melhor tecnologia mundial de produção de álcool combustível.

Com vistas na abertura do mercado, o setor sucroalcooleiro de São Paulo entrou, em abril de 2001, com um pedido de crédito junto ao BNDES para elevar a capacidade de co-gerar energia e vender o excedente, atuando como fonte complementar ao sistema elétrico interligado e propiciando uma alternativa mais barata e menos poluente do que o próprio gás natural. De acordo com os dados do Centro Nacional de Referência em Biomassa (CENBIO), o potencial técnico desse excedente nas regiões Nordeste, Centro-oeste e Sudeste, totaliza 4.000 MW de energia firme, gerada a partir dos resíduos da produção de açúcar e álcool. Na região Sul, as quantidades abundantes de resíduos da produção de arroz e industrialização da madeira, em particular no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, permitem estimar a existência de um potencial termoelétrico sustentável em torno de 405 MW, localizado exatamente em áreas onde ocorre demanda reprimida de energia. Em áreas isoladas da região Norte, os resíduos agrícolas e os óleos vegetais produzidos localmente aparecem como uma alternativa viável para emprego em motores diesel adaptados e em sistemas de geração de pequeno porte.
Segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a lenha usada em padarias e olarias ou mesmo o carvão vegetal dos altos fornos das indústrias de cimento e algumas siderúrgicas poderia ser substituída pelo capim-elefante, gramínea de grande porte com crescimento rápido. O processo de queima é semelhante ao do bagaço de cana, com a vantagem que o capim-elefante tem maior produtividade (200 toneladas/hectare por ano) do que a cana (90 ton/ha/ano). O aproveitamento da biomassa também pode ser realizado em áreas urbanas com resíduos domésticos (lixo orgânico) e industriais (óleos filtrantes, óleos saturados, aparas de papel e madeira). Essa alternativa, embora precise de subsídios, pode ser a solução para boa parte do lixo urbano que absorve um volume grande de recursos para tratamento e destinação adequada.

Com produção ainda em pequena escala, que eleva os custos iniciais de instalação, o País já detém tecnologia para aproveitamento da luz solar, especialmente para fins localizados, no uso doméstico para aquecimento de água em substituição ao chuveiro elétrico, um dos equipamentos que têm uso mais intenso de eletricidade, e no meio rural para bombeamento de água e como sistema complementar de geração de eletricidade. Alguns projetos que trabalham com o aproveitamento simultâneo da luz solar e dos ventos também estão sendo desenvolvidos para atuarem como sistemas de geração distribuída, através de pequenas usinas situadas nas proximidades dos centros consumidores. Como o intuito é que a energia seja canalizada diretamente para a rede de distribuição, esse sistema de módulos produtores dispensa a necessidade de baterias. Essa alternativa, conhecida como net metering, funciona de forma regular em vários países desenvolvidos. Como todas as formas de geração consideradas não convencionais, essas tecnologias necessitam de incentivos ou políticas tarifárias para serem produzidas e absorvidas no mercado interno.

O Brasil tem, como todos os países em desenvolvimento, uma grande demanda reprimida de energia**, mas os índices de perdas e desperdício de eletricidade também são altos. O total desperdiçado por ano, segundo o Programa de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica (Procel), chega a 40 milhões de KWh ou US$ 2,8 bilhões. Os consumidores (indústrias, residências e comércio) desperdiçam 22 milhões de KWh e as concessionárias de energia, com perdas técnicas e problemas na distribuição, são responsáveis pelos outros 18 milhões de KWh.
Enquanto o governo busca ampliar às pressas a oferta de eletricidade para evitar o déficit e sustentar o aumento de 6% previsto nas estimativas de demanda, os especialistas do setor de energia apontam uma solução no sentido oposto: conter a demanda por meio de técnicas de conservação, que tratam de substituir tecnologia (máquinas, motores, sistemas de refrigeração e iluminação), incluindo o uso da água, por outras com maior eficiência energética, menor custo financeiro e impacto ambiental.

Um exemplo é a troca de metade das lâmpadas utilizadas na iluminação pública por modelos mais eficientes que poderia resultar numa poupança de energia equivalente ao total consumido em todo o Centro-oeste. As prefeituras dos municípios de Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre, João Pessoa e Campo Grande, adotam, desde 1999, medidas de conservação de energia para reduzir os custos com o sistema de iluminação pública. A cidade de Piraciba, no interior paulista, conseguiu economizar R$ 800 mil, equivalente a 4% de sua receita, com a redução de gastos na iluminação pública e na rede elétrica de escolas e postos de saúde. As projeções realizadas para o estado de São Paulo, em 1995, por Gilberto Januzzi, pesquisador da Unicamp, indicaram que a substituição por tecnologias mais eficientes com usos finais diversos poderia sustentar o crescimento econômico, com redução de 25% na demanda de energia elétrica.

Criado em 1985, o Programa de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica (Procel) trabalhou até 1998 com projetos para concessionárias e órgãos públicos. A partir de 1999, iniciou projetos com cinco grandes indústrias (Ford, Volkswagen, General Motors, Scania e Mercedes-Benz) para reduzir em 10% o consumo de energia. No entanto, outros projetos bancados pela Reserva Global de Reversão - fundo composto por recolhimentos das empresas de energia - que deveriam financiar programas de combate ao desperdício, principalmente no setor público, acabaram sendo absorvidos pelas próprias concessionárias para economizar seus próprios custos. A CEMIG, concessionária de Minas Gerais, foi um desses casos. Em 1998, ela aplicou os R$ 700 mil destinados para projetos de eficiência energética nas suas próprias instalações.

Para Januzzi qualquer política de energia, além de promover a substituição de insumos esgotáveis (combustíveis fósseis) e a diminuição da intensidade do uso de energia, deveria estimular a eficiência energética e o combate ao desperdício por meio de instrumentos de regulação, como a especificação de códigos com consumo máximo de energia em construções ou padrão de desempenho e melhorias em equipamentos para garantir a incorporação de novas tecnologias, mais eficientes, pelos fabricantes. O Procel já adota o sistema de etiquetagem em eletrodomésticos, como geladeiras, freezers, chuveiros elétricos e aparelhos de ar condicionado, por meio do chamado selo Procel que informa o consumo mensal e garante a eficiência do equipamento. A adoção de normas para tornar as construções mais eficientes no consumo energético com aproveitamento da luz solar e da ventilação naturais pode dispensar integralmente, em vários casos, a necessidade de iluminação artificial e sistemas de ar condicionado. O Brasil dispõe de excelente quantidade de luz natural ao longo do ano, mas a arquitetura que utiliza reflete padrões de países com clima temperado e o nível de eficiência verificado eqüivale àquele de países menos desenvolvidos, como Bangladesh.

O País tem tecnologia e recursos para implementar programas intensivos de conservação que permitam fornecer energia e sustentar o crescimento econômico, mas a opinião pública ainda desconhece a abrangência da questão energética e suas implicações sociais, econômicas e ambientais. A pesquisa realizada pelo PROCEL, entre 1996 e 1997, com consumidores residenciais de 2/3 das capitais do País, indicou que, embora a energia seja considerada um bem indispensável, a maioria desconhece o estado dos recursos e da produção energética, sobretudo o modo como a energia é gerada, transmitida e distribuída ou quais são os problemas inerentes ao brusco crescimento do consumo. Essa parcela de consumidores, que representa 27% do consumo total de energia, aumentou a sua demanda em 18% no período 1994-1996.

O consumo de energia é uma preocupação declarada, assim como a percepção da existência de um grande desperdício, porém muitos consumidores não têm uma noção clara sobre conservação, apenas reconhecem medidas simples de economia (diminuir o número de lâmpadas acesas, concentrar o uso de aparelhos eletrodomésticos, usar lâmpadas fluorescentes) e interpretam desperdício como sinônimo de consumo acentuado ou simultâneo de energia. O custo financeiro foi o motivo mais importante para a adoção de medidas de economia entre as classes de menor renda. Os consumidores com maior renda demonstraram menor disposição para adotar medidas contra o desperdício de energia porque associaram atitudes de conservação com perda de conforto. Os benefícios ambientais resultantes da conservação de energia foram pouco citados por todas as faixas de consumidores.

Na área industrial, uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 185 empresas listou, entre as principais barreiras aos projetos de eficiência energética, o alto custo dos empréstimos para implementação dos programas, a insuficiência de informações como suporte ao investimento, o baixo preço da energia à época (1998), além da baixa qualidade dos equipamentos eficientes disponíveis no mercado e das consultorias especializadas. Mais de 90% das empresas assinalaram que a provisão de informações úteis, junto com treinamentos de avaliação energética e financeira dos projetos e de estudo da legislação, podem ser a principal categoria de incentivo para tornar esses investimentos mais atraentes. Pouco mais da metade (60%) das empresas pesquisadas, tinha investido em programas de eficiência nos cinco anos anteriores. Dessas, 85% investiram apenas em melhorias operacionais. Quase todas haviam realizado o investimento com recursos próprios.

Em teoria, os contratos de privatização das concessionárias procuraram contemplar os investimentos sociais e ambientais pela obrigatoriedade de investimentos em pesquisas e programas de eficiência energética. A prática demonstrou a ocorrência de distorções, haja vista os recursos que foram investidos diretamente nos próprios interesses das concessionárias. A falta de diretrizes indicando as prioridades públicas desvirtuou os bons termos pretendidos e esvaziou alguns segmentos de pesquisa sobre fontes alternativas e mais limpas de energia, como no caso do fundo setorial destinado à pesquisa sobre petróleo que financia tecnologias economicamente mais vantajosas que melhoram a eficiência da prospecção e das reservas, mas deixam de contemplar as alternativas substitutas, com menor impacto ambiental.

*O sistema elétrico registrava, em 1994, índices extremamente altos na interrupção do fornecimento: 14 horas ao longo de um ano. A média americana e japonesa, no mesmo período, registrava 10 minutos e 2 minutos, respectivamente.

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**Dados do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina): o consumo residencial de eletricidade é, em média, 200 KWh. Em alguns estados do Nordeste, o consumo é apenas 90KWh, o suficiente apenas para uma pequena geladeira e duas lâmpadas incandescentes. O onsumo brasileiro por habitante é 2.000 KWh/ano, valor abaixo da média mundial. O Brasil está em 80º lugar na oferta de energia.

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Fontes:

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Geoberto Espírito Santo, A reengenharia da energia, pp: 18-30, Anais do II Congresso Brasileiro de Planejamento Energético - Planejando o Século XXI. Campinas, Ed. Unicamp: 12-14 dezembro, 1994.

Goldemberg, José. Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento. São Paulo: Edusp, 1998.

Jannuzzi, G. De M. and J. Swisher, 1997. Planejamento Integrado de Recursos Energéticos: meio ambiente, conservação de energia e fontes renováveis. Ed. Autores Associados, Campinas.

Januzzi, G.M. 1996. "A Política Energética e o Meio Ambiente:Instrumentos de Mercado e Regulação," in "Economia do Meio Ambiente: Teoria, Políticas e a Gestão de Espaços Regionais." A.R. Romeiro, B.P. Reydon e M.L.A. Leonardi (org.). Campinas, São Paulo: Ed. UNICAMP- Instituto de Economia.

Januzzi, Gilberto de Martino. Políticas públicas para eficiência energética e energia renovável no novo contexto de mercado. http://www.estadao.com.br.

Liana John & Maura Campanili, Alternativas mais verdes para a produção ou economia de eletricidade. http://www.estadao.com.br.

Liana John e Maura Campanili, Privatizações colocam ambiente em segundo plano, http://www.estadao.com.br.

Pesquisa sobre barreiras à eficiência energética, CNI,.

Pimentel, Geraldo; Zaltzman, Cláudio; Leonelli, Paulo A.; Pires, Carlos A. Príncipe. Atitudes do consumidor brasileiro quanto à conservação de energia elétrica. In: Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia, XV SNPTEE Elétrica, Foz do Iguaçu, 1999.

Suani Teixeira Coelho, Américo Varkulya Jr, Carlos Eduardo M. Paletta, Orlando Cristiano da Silva, A importância e o potencial brasileiro da cogeração de energia a partir da biomassa.

 

Veja também:

 

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