Entrevista: Aprender Ecologia Brincando

Junho/2001

Vera Lícia Vaz de Arruda, biológa, professora doutora em Ecologia do Departamento de Zoologia (UFSC)

Os assuntos são ecologia e educação ambiental pré-escolar.

O que é ecologia? 
Depende do que você quer considerar. Tem os sentidos mais variados. Você pode pensar numa ecologia que a gente faz aqui, dentro da Biologia, que trata muito mais da interação entre os organismos: animais e vegetais com o ambiente ao redor. Muitas vezes, essa ecologia não inclui o ser humano. A ecologia que a gente tem discutido, em vários momentos, dentro do curso, é uma ecologia que inclui o homem nessas interações todas com o ambiente. Inclusive, a visão que tem o Reigotta, o Boff, é uma ecologia muito diferente da ecologia acadêmica. É uma ecologia que leva em conta a parte social, a parte política, essa parte toda do ambiente humano que, muitas vezes, a gente acha que não está incluída na ecologia. Inclusive tem linhas diferentes dentro da ecologia: ecologia natural, ecologia de conservação, ecologia mais politizada, mais social. Tem pessoas que vão mais para um lado, outras para outro lado. Tem a parte mais ligada a impactos, poluição, o que fazer para resolver. 

O seu trabalho de pesquisa é ligado a restingas? 
Eu trabalho há dez anos na interação animal, principalmente insetos, e as plantas da restinga. A maior parte do meu trabalho é na Joaquina, mas tem restinga no Santinho, Ingleses, Pântano do Sul, tem vários lugares na ilha. 

O que a Sra. pode contar desses dez anos de pesquisa? 
De destruições? Ah, isso é um problema muito sério. A restinga é muito ameaçada, principalmente, por urbanização. As pessoas acham um lugar ótimo para construir casas. Tanto é que, ali na Joaquina, ela está "se segurando" porque é uma área de parque. Então, a legislação segurou um pouquinho mais senão está destruída como em Ingleses, todinha a borda de Jurerê, que se foi. O Campeche está sofrendo muito. Além das casas que já existem na área, eles estão querendo passar uma rodovia enorme. Passar por cima da restinga de Ingleses, Santinho, Joaquina e do Campeche. Vão abrir estrada por cima de tudo aquilo. Existe legislação. A restinga, como a área de mata e floresta, é tudo área de preservação permanente. Não podia construir. Falam, falam, mas tá tudo cheio de construção.  

Há quanto tempo a Sra. trabalha com eduçacão ambiental? 
Desde 1996.  

Por que a Sra. escolheu trabalhar com crianças da pré-escola? 
Na verdade, eu sempre gostei de dar aula e, num certo momento da vida, deu uma crise existencial. Foi numa greve. Então, eu achava que só o que eu fazia na universidade, dar aula, fazer pesquisa, não me supria. O que precisava era entrar em contato mais direto com o ser humano com esse trabalho ambiental. Sempre gostei muito de criança e de natureza. Então, pensei: por quê eu vou ficar tão triste, tão deprimida? Vou trabalhar com crianças.  

E a Sra. escolheu as crianças do NDI (Núcleo de Desenvolvimento Infantil) da UFSC. 
É. Pela facilidade e porque eu sabia que eles têm interesse em toda essa parte de pesquisa e extensão. Era do lado do meu trabalho. Minha sala não era aqui no prédio novo, era do lado do NDI. Então, atravessava a rua e pronto. Na primeira vez, foram quatro meses, com o pessoal do PET. Depois desses quatro meses, apareceu uma professora que veio ver o que tava acontecendo. e até hoje tá trabalhando comigo, a Helô (Heloísa Fortkamp). Por que eles estão tão alegres? Daí começou a participar do projeto, nunca mais largou. Ela está sempre acompanhando. A gente agora está em outras creches. 

Esse projeto é contínuo? Como funciona? 
Tem continuidade. Na verdade, é um projeto para o ano inteiro com um trabalho semanal. A gente conversa antes, em cada lugar, o que seria importante na opinião dos professores, o que eles sugerem. A gente tem uma certa linha de trabalho, mas depende de cada canto. Algumas atividades a gente não oferece, muda, coloca outras que eles sugerem. 

Qual é a idade das crianças? 
Cinco, seis aninhos. O que eu acho legal é porque, na verdade, as crianças são pobres. Você passa alguma coisa de informação, de conhecimento sobre o ambiente, mas é muito assim em cima de brincadeiras, danças, músicas, jogos...  

Aprendem brincando. 
É, eles se divertem muito. Tem pessoas que a gente convida prá ajudar. A gente faz visita pro pessoal do Larus, ali no Museu Universitário. Então, agora entrou no nosso projeto um rapaz que faz ciranda, conta histórias do boi de mamão, história da ilha. Foi belíssimo. Quando a gente viu, a creche inteira tava no meio da conversa.  

A Sra. trabalha com as turmas de uma escola? 
Uma turma da escola. Uma vez eu fiz isso, peguei as quatro turmas do NDI, de cinco, seis anos. Quase morri. Porque, na verdade, cada turma deveria ter um projeto específico. Se for pensar em termos de construtivismo, que a gente quer levar isso, construir junto com eles, cada momento, em cada turma, é uma coisa que eles querem, que chama atenção. É muito complicado isso. Então, normalmente, é uma turma. Depende do nosso horário. Geralmente, é na parte da manhã.  

E que avaliação a Sra. faz desses cinco anos desse projeto? 
Uma das coisas que eu acho mais complicada na educação ambiental é ter dados concretos. Como a coisa tá funcionando? Como é que isso? Porque se você tem, por exemplo, uma criança maiorzinha, você pode passar questionário. Com os pequenos, não. Você até pode fazer entrevista, mas não faz sentido. O que a gente vê é assim: o projeto leva as coisas prá frente, você não sabe onde vai parar isso. Então, qual é o sentido? Que você crie valores, que as pessoas comecem a pensar no mundo, na relação, principalmente, ser humano com ser humano que, muitas vezes, a gente esquece disso. Pensa no bicho, na planta, esquece o amigo. Tem uma certa dificuldade de avaliação porque isso não é imediato, é prá ficar na criança. Tem crianças que são minhas amigas até hoje. Quantos anos! Três, quatro anos. Lógico, a professora conta prá gente algumas coisas, aconteceu isso, aconteceu aquilo. Porque o projeto tem continuidade. Uma atividade, de repente, desencadeou duas, três coisas durante aquela semana. A idéia é essa mesmo. Não é ir lá fazer uma atividade, uma brincadeira, e deu, tchau. É que possa ter efeitos prolongados. Então, depende. Dependendo do professor, aquilo funciona como uma única atividade, só, exclusiva. Nós vamos embora, deu, fechou. Isso tem a ver muito com despertar o interesse do professor. Quem é o professor, a criatividade dele, a alegria que ele tem dentro dele. Até isso. Tem professor que trabalha com criança e não é uma pessoa alegre. Como é que pode? Um dos lugares mais difíceis para mim foi o do ano passado. Eram duas professoras que não entraram nas atividades. Ah, não. das duas uma: ou entra e participa ou. o que eu tô fazendo aqui? Eu acho que é prá estar todo mundo junto. Então, tem todo um trabalho prá conseguir que as pessoas se envolvam, aos pouquinhos. Algumas professoras não percebem a importância daquilo. Então, é um trabalho teu. Na verdade, prá mim, a educação ambiental passa muito pelo envolvimento, pela emoção. Não tem jeito. Se você não tem o envolvimento das crianças, das professoras, não tem sentido ir lá. Se, por um lado isso dificulta, por outro, você tem que achar uma maneira de cativar as pessoas.  

Quais são os principais temas? A Sra. elege alguns assuntos? 
Tem, a gente chama de eixos do projeto. A gente começa com a idéia de situar essa criança no mundo. Então, a gente fala um pouco do sistema solar, a gente vem no planetário, onde é que a Terra tá, conta a história do dia, da noite. Depois, a Terra surgiu de onde? Conta a história da Terra, como foi acontecendo todas as mudanças da vida. Mas isso são histórias do passado. Aí a gente conta histórias atuais. Mais próximas da gente. Vai ao Museu, consegue alguém que conte histórias prá eles, lendas. prá que eles não fiquem naquela história de tantos anos atrás, uma história mais atualizada. Agora mesmo nós descobrimos um vídeo do Peninha (do Museu Universitário), ele fala daqui, das comidas, como faziam para construir barco no tempo antigo. É um pouco de história, mas já é história nossa. Depois, vem um pouco dessa parte, que a gente chama de biótico e abiótico. Plantas, animais, essas interações. No Campeche, a gente foi muito feliz porque tem mar, tem  mata, tem restinga. No fim, a gente fala do homem. Prá eles, é complicado ficar falando só desgraça: poluição, desmatamento. Mais um pouco é sempre falado. Falamos do ciclo da água, falamos de poluição, do lixo. Eles vem aqui, vêem a reciclagem do papel, participam. Então, falamos um pouco da interferência do homem no ambiente, dando um fecho. Não só a parte ruim, mas isso é complicado. Eu queria saber das crianças o que elas pensavam que era mangue. Aí elas tinham que fazer um desenho. Foi muito simples, mas muito legal. Depois, o Alex, aluno de graduação, mostrou o flanelógrafo, contou história tudo cheio de figurinha, o Homem lá no meio, e pediu prá desenhar de novo. Pouquíssimos colocaram o Homem. Antes, nem colocaram. Muitos nem sabiam o que era mangue. Então, prá eles ainda é difícil. É parte daquela coisa de se incluir no desenho. Pouco a pouco, a gente passa isso. É uma preocupação da gente. A gente faz parte desse mundo e tem que estar claro, desde pequeninho, que é integrante de tudo que está em volta. 

As crianças tem preferência por algum assunto? 
Depende. Tem muitas coisas que dependem da época. Com essa história agora da falta de água, daqui a pouco vão começar a perguntar de apagão, tudo mundo tá falando disso. Não tinha formalmente, essa questão de energia, incluída no projeto. Tinha de água, ciclo da água. A idéia da energia, não. Agora, de repente, com essa confusão, nós vamos ter de incluir. Era uma coisa que até seis meses ninguém tava falando disso. Agora, é assunto de jornal, direto. Algumas coisas a gente tem que ir adaptando. Uma coisa que eles gostam muito é de bicho. Talvez interesse mais do que planta. Na verdade, eles se sentem mais próximos. Se for pensar, a maioria sente maior ligação com bicho. Tem até um pesquisador, Ângelo Machado, ele é médico, mas acabou trabalhando com libélula, essa parte da biologia, e tem também um trabalho ligado à educação ambiental. Ele coloca muito que, quando a gente fala de bicho com uma criança, os primeiros que eles lembram são elefante, girafa, bicho que não é daqui. Então, é importante, já que a criança gosta disso, trazer para os nossos bichos, os bichos que estão em extinção. Tem vídeo que a gente mostra sobre isso, conversa um pouco. Tem turmas que até você se assusta do tanto de coisa que eles não sabem, criança de cinco, seis anos.  

Esse trabalho é sempre realizado em escolas públicas? 
Só creche pública. É legal a gente trabalhar com as crianças, mas seria muito mais se a gente conseguisse formar professores. O plano é fazer isso no ano que vem. Nós queremos fazer também um vídeo, com um monte de foto do trabalho que a gente fez, prá poder divulgar um pouco. Porque não tem ninguém assim com esse trabalho, contínuo. 

E as crianças demonstram algum tipo de preocupação, em especial?  
Depende. Quando está tendo a conversa de poluição, desmatamento. eles têm consciência disso tudo. Tem. de que cai água do morro por causa de construção, lixo, eles têm consciência disso tudo. O que a gente se preocupa porque, lógico, é educação ambiental, é que elas deviam ter uma educação política.mas com uma criança de cinco, seis anos, não tem como ficar discutindo toda essa coisa, mas que ela tenha, pelo menos, consciência do papel importante que tem como ser humano nesse mundo. O Ângelo Machado fala isso mesmo. Se você conseguir passar prá uma criança essa ligação que ela tem com a natureza, com o mundo em volta, já é uma grande coisa. Do que ficar amedrontando que o mundo vai acabar, como saiu na Superinteressante... É só desgraça, o mundo vai acabar, a camada de ozônio. eles sabem disso. Eles têm informação da televisão, conversa com os pais. A nossa preocupação é fazer com que eles tenham essa ligação. Se você tem ligação com quem tá perto, com o mundo que tá pertinho, a conseqüência é que, à medida que o tempo vai passando, você vai aprendendo muita coisa, a informação vem. A gente percebe, por exemplo, quando fala sobre lixo. eles começam a cobrar em casa. Água também. Uma vez, chegou um pai: ô, Verinha, meu filho pegou no meu pé porque eu tava escovando os dentes com a torneira aberta. Às vezes, é mais difícil pegar nos grandes. Mas as crianças pegam e vão cobrar dos maiores: não tão fazendo certo, tão jogando papel, lixo. Então, isso eu acho legal.  

Qual é a condição social dessas crianças? 
Depende. No NDI, eram filhos de professores, funcionários e alunos. Aqui, na Serrinha, eram pessoas mais carentes, de renda baixa. A creche é assistencial, as mães trabalhavam e as crianças ficavam, muitas vezes, o dia inteiro na creche. Lá no Peri, eram de classe média baixa. Aqui, na Serrinha, a pobreza era maior. No Campeche, é uma coisa intermediária, não é só criança pobre. Por exemplo, a gente fala no Peri. Lá não tinha livro de história. Os livros que tinham eram dos professores. Nós fizemos uma campanha, o que apareceu de livro! Ficaram super felizes. Mas, mesmo aqui, essas não são as mais pobres. Eu fico imaginando o que os pobrinhos, pobrinhos. Então, como é que pode levar um projeto desses se precisa, no mínimo, ter alguns livros de história, papel, algumas coisas básicas. que, em algumas creches, isso deve ser muito complicado. A gente começa a sentir o drama de todo mundo. O que anda, o que desanda e o quanto são necessidades básicas. Por exemplo, aqui, antes de ir no Campeche, a gente foi no Córrego Grande e em outra do Rio Tavares. A creche do Córrego era uma tristeza: um gramadinho e o resto, cimentão. Então, qualquer coisa que você queira fazer dentro da creche, uma brincadeira, caça ao tesouro, qualquer coisa simples, não dá de fazer. Aqui, mesmo nessa na Serrinha, eles espaço prá todo mundo junto, não tem árvore. mesmo assim, num espacinho desse tamaninho, eles conseguiram fazer uma horta. Então, a gente fica contente. Muitas vezes, é a vontade do professor. Então, a gente vê o que? Gente que trabalha o dia inteiro, às vezes, em mais de uma creche, ganhando pouco, prá cuidar de trinta crianças de cada vez. Então, a gente fala que professor tem que ser alegre, animado. Mas se você entra na vida de um professor de pré-escola, você vê que é duro, é complicado. A gente trabalha um dia da semana, vai na maior alegria, no maior pique. Agora, aquilo todo dia, de manhã e de tarde, tem que arrumar atividade com as crianças. então, é difícil. Outra coisa que a gente vê: a creche com sentido de escola mesmo. O que a gente chama de pré-escola agora é educação infantil, prá evitar esse nome pré-escola. mas é muito escolarizado mesmo. Ensina o que é inseto, o que é mamífero, o que é anfíbio. Sabe, tem que passar aquelas determinadas informações, tem que ser aquele determinado conteúdo. Isso existe. O NDI não é assim, mas é uma realidade diferente, que você constrói: ah, ouviram falar disso? Daquilo? Ah, que legal, então vamos falar disso. trabalha muito com o que as crianças estão querendo naquele momento. Agora, as outras creches, não. Existe um  planejamento: Eu e o meu corpo. Eu e a minha família. Eu e a escola. Eu e a sociedade. Desde pequeninho. Então, não é escola? É escola, tem conteúdos e eles têm, de certa forma, cumpridos. Os professores querem fazer cumprir como nós aqui: tem que cumprir, tem que cumprir. Uma das dificuldades prá entrar nesse projeto é que existe tudo isso já na seqüência. Se o professor não tiver interesse, não gostar, não dá porque existe toda uma história de conteúdo prá ser cumprido de acordo com a lei. A prefeitura exige. De uma forma geral, a gente não tem tido transtornos. O que, às vezes, a gente percebe é que não anda melhor porque os professores não criam nada em cima do que foi levado, não exploram determinado assunto. agora, quando acontece, é bom porque isso ninguém sabe onde vão parar essas idéias, vão adiante. a gente fica feliz porque isso rendeu.


Informações relacionadas à entrevista neste site:


Para ler:

  • Marcos Reigota. Educação Ambiental. Coleção Primeiros Passos. Editora Brazilienese. 

  • M. L. Hermann et al. Orientando a criança para amar a Terra. São Paulo, Augustus, 1992.

  • S. Levine & A. Grafton. Projetos para um planeta saudável: experimentos ambientais simples para crianças. 5a. ed., São Paulo, Augustus, 1998.

  • The Earth Works Group. 50 coisas simples que as crianças podem fazer para salvar a Terra. 4a. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1993.

  • The Earth Works Group. Manual de reciclagem: coisas simples que você pode fazer. Rio de Janeiro, José Olympio, 1995.

  • N. S. Mattos & S. F. Granato. Uma teia alimentar, PLOFT. 2a. ed., São Paulo, FTD, 1993.

  • N. S. Mattos & S. F. Granato. O ciclo da água, PLIM. 5a. ed., São Paulo, FTD, 1996.

  • A. M. Machado. A jararaca, a perereca e a tiririca. São Paulo, Quinteto Editorial, 1993.

  • R. Siguemoto. O rio e a cidade dos homens. Belo Horizonte, Formato Editorial, 1991.

  • R. Alves. Lagartixas e dinossauros. São Paulo, Loyola, 1996.

  • A. Machado. O esquilo esquecido. 5a. ed., Rio de Janeiro, Salamandra, 1994.

  • R. Rocha. Bom dia, todas as cores! 16a. ed., São Paulo, Quinteto Editorial, 1995.

  • R. Harlow & G. Morgan. Insetos e outros bichinhos. São Paulo, Melhoramentos, 1998.

  • R. Harlow & G. Morgan. Crescimento: plantas e animais. São Paulo, Melhoramentos, 1998.

  • R. Harlow & G. Morgan. Árvores e folhas. São Paulo, Melhoramentos, 1998.

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