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Agricultura Sustentável

     A agricultura tradicional é definida pelo conjunto de técnicas de cultivo que vem sendo utilizadas há vários séculos por comunidades camponesas ou indígenas. Fundamenta-se na utilização de recursos naturais e de mão-de-obra direta. Historicamente tem sido praticada em pequenas propriedades e destina-se, basicamente, à própria subsistência da comunidade, produzindo uma grande variedade de produtos.

     A partir do final da Segunda Guerra Mundial teve início o declínio desses procedimentos tradicionais de cultivo. Na década  de 1960, começou a ser implantada uma nova agricultura, denominada de agricultura moderna, caracterizada pelo uso intensivo de insumos externos, utilização de máquinas pesadas, manejo inadequado do solo, uso de adubação química e pesticidas.

     Esse tipo de agricultura, praticada atualmente, também é conhecido por agricultura moderna, convencional, química ou de consumo. Essa agricultura, que teve origem nas modificações técnicas da produção agrícola, a chamada modernização do processo de cultivo, apresenta como primeira conseqüência o consumo exagerado de insumos externos, gerados fora da propriedade ou da região, que, geralmente, são caros e causam a dependência financeira, tecnológica e biológica do produtor. Da mesma forma, a aplicação não é de conhecimento e controle do produtor, de onde vem a dependência tecnológica e, junto com ela, a biológica, no que se refere à manipulação genética e uso de microorganismos.

     As sementes tradicionais,  selecionadas e utilizadas pelos camponeses ano após ano, estão se perdendo. Hoje, existe apenas uma pequena variedade de plantas para obter a mesma produção a cada safra. Em geral, o produtor não consegue mais utilizar a mesma semente, tem que adquirir outras variedades e usar novos insumos. É o que acontece com a semente híbrida, que exemplifica a típica ideologia da agricultura moderna: o consumo permanente.

     Na agricultura moderna, todos os dejetos, efluentes ou resíduos tornam-se lixo que é depositado na natureza, causando impacto ambiental. Esta maneira de pensar consumista é uma concepção muito nova, moderna, destruidora, não-regenerativa que reflete a falta de harmonia entre homem e ambiente  e a despreocupação com o todo. O mesmo acontece nas cidades, o que significa que o homem polui a si mesmo. A utilização de máquinas pesadas também faz parte da ideologia da agricultura moderna. No entanto, estas máquinas são caras e exigem financiamentos que causam o endividamento do produtor agrícola. Outro inconveniente do uso de máquinas pesadas é o grande impacto na estrutura do solo e o afastamento do agricultor da terra.

     A desestruturação do solo causa a pulverização e compactação da terra. O afastamento do agricultor da terra faz com que se perca o contato com a mesma, o diálogo com a natureza e a observação das plantas e animais. Além disto, também possui conseqüências sociais, como a migração do colono para as cidades por causa de financiamentos que acabam comprometendo a propriedade.

     O manejo inadequado e o uso intensivo do solo também provocam desestruturação. Na camada mais superficial, o solo fica desintegrado, pulverizado. Na camada mais profunda, o solo fica compactado pelo uso sistemático de máquinas pesadas. Com o tempo, forma-se uma camada dura e compactada embaixo da terra e uma camada fofa e pulverizada em cima, que, teoricamente, seria o ideal para receber a semente. No entanto, essas condições, aliadas à chuva, causam o deslocamento do solo, também chamado de perda de solo anual, a dificuldade de penetração e fixação das culturas, a dificuldade de trocas químicas, de absorção de água e oxigênio e a intoxicação ou eliminação total da microvida. Esse é o custo ambiental da agricultura moderna e do  manejo inadequado do solo.

     A adubação química pesada, de alto custo, causa o desequilíbrio fisiológico da planta, o desequilíbrio ecológico do solo e a dependência do agricultor. As plantas possuem um mecanismo de resistência a "pragas" - o termo correto seria "insetos com fome" (Teoria da Trofobiose, de Francis Chaubossou) - que se baseia em seu equilíbrio fisiológico.

      As plantas equilibradas não são boas hospedeiras ou bons alimentos para bactérias, fungos, vírus, insetos, nematóides, ácaros. Isso ocorre porque essas plantas apresentam em sua seiva proteínas complexas que não podem ser desdobradas por esses organismos pela falta de enzimas necessárias para promover a quebra das cadeias de proteínas. Já as plantas desequilibradas por estresse, por aplicação de produtos químicos, por variações de clima, por inadequação da espécie à região, são bons alimentos, pois possuem menor capacidade de metabolização dos aminoácidos livres para transformá-los em proteínas complexas. Dessa forma, o inseto dito "praga" tem condições de evoluir, já que os aminoácidos livres são alimento para ele.

     O desequilíbrio biológico do solo, causado pela utilização de produtos químicos, afeta microorganismos responsáveis pela disponibilidade de nutrientes importantes para a planta que não consegue absorvê-los através de suas raízes. Dessa forma, não 
existe a colaboração de microorganismos do solo para processamento da matéria orgânica. Essa microvida está sendo sistematicamente eliminada. Além disso, quando o agricultor trabalha constantemente com adubação química, cria a necessidade cada vez maior de utilização de nutrientes químicos, ocorrendo sua dependência econômica e cultural.

     O uso freqüente e intensivo de biocidas (herbicidas, inseticidas, acaricidas, nematicidas, fungicidas) é uma prática de conseqüências bastante graves. Os adeptos da agricultura moderna não gostam desse termo, mas, na verdade, biocidas são produtos que matam a vida. Alguns matam ervas, insetos, ácaros, mas se o homem entra em contato com estes produtos também acaba morrendo ou tendo doenças como câncer e degenerações genéticas. O que fica bem caracterizado dentro do modelo de agricultura moderna é a dependência tecnológica e cultural. A cultura agrícola camponesa, tradicional, vai se perdendo com o tempo, principalmente com o desrespeito ao agricultor e a supervalorização do técnico-cientista, que impõe técnicas importadas,  desconhecidas pelo agricultor, assim como acontece com os insumos.

     A destruição de alimentos, o consumo exagerado, a insustentabilidade a longo prazo e o balanço energético negativo também são características próprias da agricultura moderna. Dentro das estruturas de transformação de alimentos, a perda e a 
ineficiência do processo são muito grandes. A destruição de alimentos pode ser observada através das questões de mercado, da estocagem, do transporte e da comercialização.

     A agricultura moderna, extremamente consumista, não fecha ciclos, não tem a preocupação de reciclar, regenerar, fazer com que o produto retorne para a fonte. Isso é observado nos lixões das cidades. O material orgânico não retorna para a 
agricultura em forma de adubo e o material mineral - latas, vidros - não retorna para a produção. Tudo é consumido ou descartado. O não fechamento de ciclos tem um balanço energético negativo. A sociedade moderna consome mais do que produz e isto tem reflexos na insustentabilidade da agricultura moderna. Considerando-se a história da humanidade, este novo modelo de agricultura está em prática há um período muito curto. No entanto, já mostra seu colapso. Deve-se perceber este colapso e
encontrar caminhos. Um deles é retomar a agricultura tradicional do camponês, conhecer fundamentos e práticas agrícolas já esquecidas e buscar alternativas sustentáveis para a agricultura.

     Como alternativa à agricultura moderna amplamente praticada atualmente, a agricultura ecológica começa a se estender no mundo e no Brasil através de diversas correntes que se diferenciam em alguns pontos, mas possuem princípios comuns. Estas 
tendências têm origem e precursores diferentes, recebem denominações específicas - Orgânica, Biodinâmica, Natural, Permacultura, Alternativa, Nasseriana -, mas possuem o mesmo objetivo: promover mudanças tecnológicas e filosóficas na agricultura.

     Agricultura Orgânica:  É a mais antiga e tradicional corrente da agricultura ecológica. Teve origem na Índia e foi trazida por acadêmicos franceses e ingleses, ainda hoje influenciando a sua sistemática de trabalho. A agricultura orgânica é baseada na 
compostagem de matéria orgânica, com a utilização de microorganismos eficientes para processamento mais rápido do composto; na adubação exclusivamente orgânica, com reciclagem de nutrientes no solo; e na rotação de culturas. Os animais não são utilizados na produção agrícola, a não ser como tração dos implementos e como produtores e recicladores de esterco.

     Agricultura Biodinâmica: Originária da Alemanha, é baseada no trabalho de Rudolf Steiner. As principais características, além da compostagem, é a utilização de "preparados" homeopáticos ou biodinâmicos, elementos fundamentais na produção que são utilizados para fortalecimento da planta, deixando-a resistente a determinadas bactérias e fungos, e do solo, ativando sua microvida. Os animais são integrados na lavoura para aproveitamento de alimentos, ou seja, aquilo que o animal tira da propriedade volta para a terra. A importação de adubo orgânico não é permitida, pois materiais orgânicos de fora da propriedade ou da região não são adequados por não possuírem a bioquímica, a energia ou a vibração adequada à cultura. Existe a preocupação com o paisagismo, com a arquitetura e com a captação da energia cósmica. A agricultura biodinâmica está baseada na Antroposofia, que prega a importância de conhecer a influência dos astros sobre todas as coisas que acontecem na superfície da terra.

     Agricultura Natural: Com origem no Japão, a principal divulgadora desta corrente de trabalho ecológico é a Mokiti Okada Association (MOA). Além da compostagem, utilizam microorganismos eficientes que têm capacidade de processar e desenvolver matéria orgânica útil. Utilizam a adaptação da planta ao solo e do solo à planta. Este é o primeiro passo para a manipulação genética e, conseqüentemente, para a dominação tecnológica, característica semelhante à agricultura moderna, não sendo bem aceita por outras correntes da agricultura ecológica.

     Permacultura: Tem origem na Austrália e no Japão e segue o pensamento de Bill Mollison. As principais características são os sistemas de cultivo (sistemas agro-silvo-pastoris) e os extratos múltiplos de culturas. Utilizam a compostagem, ciclos fechados de nutrientes, integração de animais aos sistemas, paisagismo e arquitetura integrados. Na Permacultura nào existem tecnologias adequadas ou próprias, mas sim "tecnologias apropriadas". A comunidade tem determinada importância, deve ser auto-sustentável e auto-suficiente, produzindo seus alimentos, implementos e serviços sem a existência de capital. A comercialização deve ser feita através da troca de produtos e serviços.

     Agricultura Alternativa: Seus precursores no Brasil foram Ana Primavesi, José Lutzenberger, Sebastião Pinheiro, Pinheiro Machado e Maria José Guazelli. Os princípios desta corrente são a compostagem, adubação orgânica e mineral de baixa solubilidade. Dentro da linha alternativa, o equilíbrio nutricional da planta é fundamental. Aparece, então, o conceito de Trofobiose, que considera a fisiologia da planta em relação à sua resistência a "pragas" e "doenças". Outra característica é o uso de sistemas agrícolas regenerativos, e daí surgiu a agricultura regenerativa, termo defendido por José Lutzenberger. Outras pessoas dentro desta mesma tendência adotaram o termo agroecologia (Miguel Altieri) que possui um cunho político e social. A agroecologia prioriza não só a produção do alimento, mas também o processamento e a comercialização. Esta linha também se preocupa com questões sociais como a luta pela terra, fixação do homem ao campo e reforma agrária.

     Nasseriana: É a mais nova corrente da agricultura ecológica e tem como base a experiência de Nasser Youssef Nasr no estado do Espírito Santo. Também chamada de biotecnologia tropical, defende o estímulo e manejo de ervas nativas e exóticas, a 
multidiversidade de insetos e plantas, a aplicação direta de estercos e resíduos orgânicos na base das plantas, adubações orgânicas e minerais pesadas. Nasser diz que a agricultura de clima tropical do Brasil não precisa de compostagem, pois o clima  quente e as reações fisiológicas e bioquímicas intensas garantem a transformação no solo da matéria orgânica. No Brasil, defende Nasser, o esterco deve ser colocado diretamente na planta, pois esta sabe o momento apropriado de lançar suas
radículas na matéria orgânica que está em decomposição, e os microorganismos do solo buscam no esterco os nutrientes necessários para a planta e os levam para baixo da terra. Outro ponto interessante é o uso de ervas nativas e exóticas junto com a cultura para que haja diversidade de inços. Desta forma, é preciso manejar as ervas nativas de maneira que elas mantenham o solo protegido e façam adubação verde. Não temos uma agricultura de solo, mas de sol.

     Todas estas diversas correntes e tendências dentro da agricultura ecológica concordam que a agricultura sustentável precisa de alguns princípios básicos para se implantar como tal. O primordial seria o respeito, a observação e o diálogo com a natureza. Um verdadeiro camponês, agricultor, agrônomo ou técnico agrícola deve ter a capacidade de perceber e de entender o que está acontecendo com a planta e com o animal. Isto resulta no uso da natureza a favor da cultura.

     Também é importante o aproveitamento de recursos naturais renováveis, a reciclagem de lixo orgânico e de resíduos, a adubação orgânica e a humidificação do solo, a adubação mineral pouco solúvel, o uso de defensivos naturais, o controle biológico e mecânico de insetos e ervas, a permanente cobertura do solo e a adubação verde.

     Outras técnicas comuns são a diversificação dos cultivos e dos animais, a consorciação e a rotação de culturas e a não-utilização de agrotóxicos, adubos químicos solúveis e hormônios vegetais ou animais. Com relação a defensivos naturais, alguns são tolerados pela agricultura ecológica. Nenhuma corrente recomenda produtos para controle de insetos, ácaros ou fungos, mas existe a possibilidade de usar extratos e caldas vegetais - piretro, nicotina, retonona, sabadilha -, pó de enxofre, calda bordalesa e sulfocálcica, sulfato de zinco, permanganato de potássio. Esses produtos são usados com pouco ou menor impacto ambiental. Soluções de óleo mineral, querosene e sabão são produtos que podem ser usados, pois não são intoxicantes ou impactantes no meio ambiente.

 

Fonte:

Luis Fernando Wolff, engenheiro agrônomo, Coordenador Técnico da Fundação Gaia.

 

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