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SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA DESENV. E ENERGIA ARQUITETURA

Desenvolvimento e Energia

Sem conhecer o uso do fogo, o homem primitivo tinha disponível somente a energia (cerca de 2.000 Kcal) dos alimentos. Nos dias atuais, o consumo global de energia requerido para alimentação, moradia, comércio, indústria, agricultura e transporte gira em torno de 250.000 kcal/dia. Em 1990, a média per capita global do consumo, por ano, foi de 15.000 kcal. No entanto, essa média encobre uma diferença maior que dez vezes no consumo de energia per capita entre os países industrializados, onde vive 25% da população mundial, e os países em desenvolvimento. Somente os Estados Unidos, que contam com 6% da população mundial, consomem 35% da energia mundial disponível. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o setor energético também reproduz os níveis de dependência, desarticulação entre setores, inadequação às necessidades fundamentais e danos ao ambiente, que são típicos do subdesenvolvimento.

Em vários casos, a relação de dependência com o exterior é particularmente visível no sistema energético, amplamente dominado por empresas estrangeiras. Do mesmo modo, muitos padrões externos servem como parâmetros para determinar as opções tecnológicas, o dimensionamento de projetos e as escolhas dos modos de produção e utilização de energia, sem considerar as condições internas de suprimento e as necessidades reais de abastecimento. Esses modelos copiados dos países industrializados se sobrepõe à realidade da maioria da população que não tem renda suficiente para adquirir a maioria dos bens de consumo disponíveis no mercado e privilegia políticas públicas (padrões de construção e sistema de transporte, p. ex.) inadequadas às condições e necessidades internas. Mormente esses modelos importados conduzem a níveis consideráveis de desperdício nas faixas de consumidores com maior renda enquanto uma parcela importante da população permanece muito aquém da satisfação de necessidades básicas.

Mesmo quando esses países não dispõem de recursos internos suficientes ou os próprios recursos naturais ainda não foram explorados, o sistema energético baseia-se largamente no uso de derivados de petróleo. Da mesma forma, muitos programas de eletrificação (tanto no meio rural quanto urbano) baseiam-se em modelos antigos de países industrializados, que absorvem pesados investimentos e demonstram, no médio prazo, poucos resultados em vista da tecnologia empregada, da dinamização de outros setores econômicos ou do aumento de produtividade global. Em vários momentos históricos, o superdimensionamento dos projetos instalados conduziu a um excedente que motivou uma percepção ilusória de disponibilidade ilimitada de energia, originando grandes níveis de desperdício.

Em muitos países, a má integração ou desarticulação entre os subsistemas do setor energético (petróleo, eletricidade, carvão) derivou no crescimento autônomo de alguns segmentos, revertendo também em padrões incoerentes de produção e consumo e perdas significativas de eficiência à falta de absorção de tecnologias mais eficientes no aproveitamento das energias tradicionais e dos recursos alternativos. As políticas centradas unicamente na expansão da oferta também desprestigiaram muitas possibilidades de ação eficaz sobre a demanda com programas de uso racional de energia. Muitas escolhas tecnológicas deixadas a critérios dos próprios produtores propiciaram apenas melhorias localizadas, sem muito resultado sobre todo o sistema energético.

Em síntese, as características dos países em desenvolvimento na área de energia são:

  • baixo consumo per capita de energias convencionais (menor ou igual a uma tonelada equivalente de petróleo - TEP - por ano);
  • grande disparidade nas intensidades energéticas, representada tanto pelo uso de fontes com pouco rendimento como pela escolha inadequada de processos e tecnologias;
  • forte preponderância dos hidrocarbonetos (carvão e petróleo);
  • larga utilização de fontes tradicionais (lenha, carvão vegetal, resíduos vegetais);
  • papel preponderante de grandes produtores, nacionais ou estrangeiros, na elaboração de diretrizes para o setor energético;
  • existência de sistema de produção e distribuição precários, sujeitos a falhas recorrentes, o que conduz a uma baixa qualidade na prestação dos serviços;
  • grande nível de disparidade entre oferta e demanda;
  • estrutura deficiente entre distribuições centralizadas (rede elétrica interligada, distribuição de derivados do petróleo) e descentralizadas (pequenas e médias centrais, aproveitamento localizado de recursos como biomassa, radiação solar, ventos, etc.

Para o pesquisador José Goldemberg, da USP, que considera o consumo de energia como um índice representativo do acesso da população às condições básicas de vida, quatro indicadores sociais - taxa de alfabetização, mortalidade infantil, expectativa de vida e taxa de fertilidade - expressam uma relação direta com o consumo de energia per capita. Na maioria dos países em desenvolvimento, onde o consumo de energia é menor do que uma tonelada equivalente de petróleo por ano, os índices de analfabetismo e mortalidade infantil são elevados, e a expectativa de vida é baixa. Os números divulgados pela ONU atestam que as populações mais pobres, sem acesso à infra-estrutura adequada, como energia, água potável e rede de esgotos, estão mais suscetíveis a doenças infecciosas e parasitárias (diarréia e malária, entre elas) ou respiratórias (pneunomia e tuberculose). Em 1999, essas doenças causaram 17,8% (9,9 milhões) do total de mortes registradas.

A última pesquisa chefiada por Goldemberg constatou que, além de poluidora, a energia elétrica é cara e excludente. Os dados entregues à Secretaria Geral da ONU, em setembro de 2000, para servir à instalação do Programa 21 no setor energético, contabilizam 2 bilhões de pessoas sem acesso à eletricidade, quase 30% da população mundial.

No Brasil, segundo as estimativas oficiais, 5% da população, aproximadamente 8,5 milhões de pessoas, não tem acesso à eletricidade. Esses números são contestados pelos pesquisadores do Projeto Brasil Sustentável e Democrático (PBSD) que calcularam, com apoio em estatísticas do IBGE e relatórios de 1997 da Eletrobrás, um percentual de 13,1% de domicílios (aproximadamente 21.334 mil pessoas) sem acesso à eletricidade ou em condições de abastecimento muito precária ou insegura. A maior parte está localizada no meio rural (70%), entre famílias com renda abaixo de três salários-mínimos (48,7%). É o caso de cerca de 15 mil famílias que vivem no Vale do Paraíba, no litoral norte de São Paulo e na Serra da Mantiqueira. Sem energia elétrica, os moradores recorrem a soluções precárias para conservar os alimentos perecíveis antes do consumo (dentro de barris ou debaixo de bicas de água) ou para tomar banho (na bacia, com água aquecida no fogão).

Na avaliação do PBSD, a oferta para atender as necessidades básicas, incluindo o consumo de energia por um conjunto de eletrodomésticos considerados essenciais, dessa demanda reprimida foi estimada em 9.485 GWh, com possibilidade de redução em 30% através de políticas de conservação de energia e acesso à equipamentos mais eficientes. Considerando como demanda mensal mínima uma carga de 220 KWh/mês por domicílio, o resultado da projeção aponta uma carência de eletricidade em torno de 33.205 GWh, o que representa uma necessidade de expansão do sistema em torno de 44,8% sobre o consumo residencial verificado em 1997.

Se as previsões dos especialistas em demografia se concretizarem, apenas 20% do crescimento mundial deverá ocorrer fora das cidades até meados do século XXI, fazendo com que os centros urbanos concentrem três quartos da população do planeta. As projeções, baseadas na tendência histórica, apontam oito metrópoles que poderão ter mais de 15 milhões, em 2050, das quais somente duas estão localizadas em países desenvolvidos: Nova York e Tóquio. As demais são Beijing e Shangai (China), Bombaim e Calcutá (Índia), Cidade do México e São Paulo.

Esse cenário projetado antevê o agravamento da questão do acesso e distribuição de energia. Nessas condições, a demanda global, equivalente ao triplo da existente considerando o consumo atual, dificilmente poderá ser atendida pelas fontes disponíveis, considerando as reservas fósseis (carvão, petróleo e gás), tendo em vista a implementação do acordo de Kyoto que prevê a redução pela metade desses insumos, entre 2020 e 2050. A compensação desse corte poderá vir na forma de energia nuclear.

No entanto, para atender a demanda, será necessário multiplicar por trinta o número atual de usinas, dificultando o controle dos perigos relativos aos resíduos radioativos e do uso dessa energia para fins bélicos.

Um dos grandes problemas, mesmo nos países desenvolvidos, é o uso pouco eficiente dos recursos energéticos demonstrado por comparações de eficiência energética. A análise do rendimento econômico obtido por unidade de energia utilizada permite estabelecer uma análise da intensidade energética entre as economias, como a americana e a japonesa. Em 1996, os Estados Unidos tiveram um rendimento duas vezes menor do que o do Japão, com um consumo de energia per capita duas vezes maior, de acordo com o Relatório Mundial sobre Desenvolvimento Humano de 2000.

Enquanto o Japão produziu US$ 10 para 4 toneladas equivalentes de petróleo per capita utilizadas, a economia americana gastou 8 toneladas per capita para produzir US$ 3.

Naquele ano, o desempenho dos Estados Unidos, semelhante ao do Canadá, demonstrou uma retração do quadro histórico verificado entre 1980-1996, quando o valor do produto gerado por tonelada equivalente de petróleo utilizado aumentou quase 20% com um consumo praticamente estável (8 TEP per capita).

No mesmo período, a União Européia obteve o dobro do rendimento americano, com menor consumo de energia, produzindo US$ 6 por TEP utilizada. O padrão intensivo de energia requerido pela economia americana levou um grupo de pesquisadores da Rice University, apoiado pelo Conselho de Relações Exteriores, a denunciar a ameaça de um colapso mundial de energia em vista da falta de interesses dos principais partidos políticos norte-americanos para corrigir as distorções em favor da eficiência e do meio ambiente. Segundo os pesquisadores, a intensidade energética americana é tão alta que nem mesmo a estratégia adotada de intensificar o uso de recursos próprios, como meio de reduzir importações, pode atender à demanda interna. Para eles, os planos de solução envolvem, necessariamente, a revisão de políticas externas sobre desenvolvimento e uso de energia.

No Brasil, só recentemente (dezembro de 2001) foi regulamentada, por decreto presidencial, a lei de eficiência energética que tramitava no Congresso havia dez anos.

A lei estabelece critérios para definição de limites de consumo em aparelhos comercializados no País e para financiamento de programas de uso racional de energia, mas deixa de contemplar aspectos da própria política econômica do País. O setor de fabricação de produtos para exportação, com pouco valor agregado (aço, alumínio e ferroligas), sozinho, representa a metade do consumo industrial, que é o segmento que mais consome energia no País (44%), sob preços subsidiados e iguais aos residenciais. O setor de transporte é outro segmento econômico com baixa eficiência. Responsável pelo transporte de 62% das cargas, a malha rodoviária escoa apenas 20 ton/km por litro de diesel enquanto os sistemas ferroviário e hidroviário, que juntos respondem por 34% da carga do setor, podem realizar um trabalho de mais de 150 ton/km por litro de diesel.

Uma estratégia energética sustentável implica, necessariamente, na efetiva disposição política do Estado para estabelecer e aplicar os instrumentos de gestão necessários para tal. As regras de mercado por si próprias não tem condição de atender a diretrizes básicas de sustentabilidade como a eqüidade social na distribuição dos recursos e a adequação da produção e do consumo ao ritmo biológico dos ecossistemas, porém, mesmo dentro de contextos de desregulação e fomento à iniciativa privada, é possível ao Estado garantir sua capacidade de atuação por meio de mecanismos legislativos e fiscais (estabelecimento de normas e padrões, criação de incentivos à produção e consumo mais eficientes). Embora seja freqüentemente admitida por governos e organismos internacionais, nem sempre a necessidade de criar mecanismos de planejamento tem sido consolidada nas práticas de desenvolvimento escolhidas.

 

Fonte:

Almanaque Abril 2.001

Brasil Sustentável e Democrático, Indicadores de Sustentabilidade Energética (Arquivo ZIP)

Regulamentada a lei de eficiência energética
, http://www.estadao.com.br

Estudiosos prevêem colapso mundial de energia, http://www.estadao.com.br

Eugenio Melloni, Cerca de 2 bilhões de pessoas não tem eletricidade em casa, http://www.estadao.com.br

Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, Quinze mil famílias sem luz no norte de SP, 6 de maio 2.001, p. C-7.

Gerardo Honty, Impactos Ambientales del Sector Energético en el Mercosur, CEUTA,

João Antônio Moreira Patusco, Planejamento Energético x Desenvolvimento Econômico e Social, Economia & Energia, n. 27, julho-agosto 2001,

José Eli da Veiga, A proliferação dos formigueiros

José Eli da Veiga, Tendências para o Setor de Energia

José Goldemberg, 1979, Energia no Brasil, Rio de Janeiro, LTC.

Maria Teresa Indiani de Oliveira (trad.), A energia e o desenvolvimento. Que desafios? Quais Métodos? Síntese e Conclusões. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1986.

Sinopse do Balanço Energético Nacional, Ministério das Minas e Energia

 

Veja também:

 

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